domingo, 21 de setembro de 2008

E se fosse possível?

Mês passado tivemos uma palestra do Viva, com a Regina Machado. Dentre as coisas interessantes que ela falou, que foram muitas, uma ficou comigo. Sabe aquela coisa de "eu já sabia disso, claro", mas que quando alguém tangibiliza dizendo à você, você pára e pensa sobre? Foi isso que aconteceu. Ela disse algo a princípio óbvio: que histórias - boas histórias, nos fazem descobrir o que tem sentido na vida e nelas vivemos o que poderia parecer impossível. Esse é o encanto.

E se fosse possível virar bicho? E se fosse possível viajar no tempo? Não importa quantos anos tenhamos, sempre sonhamos com coisas possíves e outras, aparentemente impossíves. Ao menos no mundo real. Opa! O que seria o mundo real? Real para mim é o que eu vivo hoje, agora. Logo, TUDO É REAL.

Estamos tão presos ao que eu chamo de "sensações concretas e materiais", que ás vezes, nos esquecemos que podemos viver o que quisermos. Basta sonhar, imaginar, vizualizar. Viver.

Se me pego imaginando como seria se eu pudesse voar, estou vivendo isso. E, enquanto minha imaginação estiver correndo solta, tudo é real. Eu sinto o frio na barriga ao atravessar as nuvens, eu acho engraçado ver tudo tão pequenininho lá de cima. Eu posso ser menina, menino, bicho, planta. O que eu quiser.

Nas histórias, qualquer coisa é possível: uma doença sarar com pó mágico; uma realidade dura virar conto de fadas; a dor, que era grande, virar uma árvore bonita e vistosa; o duro dia no trabalho virar um mar de gargalhadas.

E é isso que tentamos fazer quando contamos histórias, quando ouvimos e quando vivemos as histórias. Simplesmente viajar na imaginação. Nem que seja por alguns minutos...

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Emília, você de novo!

Quando digo que quem conta encanta é porque um contador de histórias está sempre pronto para contar algo, e mais do que isso, pronto para ouvir uma boa história. Ele se deixa encantar, se deixa levar pela fantasia, pelo lúdico. Mesmo que seja pego de surpresa!

Após quase 10 festas, no dia do nosso Parque dos Valores, como eu disse anteriormente, sou a Emília. Mesmo que não vá fantasiada.

Na última festa, o dia estava frio e chuvoso. Eu não estava com meu vestidinho amarelo e vermelho, muito menos com minhas madeixas coloridas. Dessa vez estava com meu macacão colorido, que uma amiga querida fez especialmente para eu contar histórias. A primeira criança a vir falar comigo disse, sem cerimônia:

- Oi Emília! Tudo bem?
- Tudo!
(espanto)
- Você pintou o cabelo?
- Pintei sim, de preto
. (resposta rápida!)
- Mas até a próxima festa ele fica colorido de novo, não é?
- Claro! Você gosta mais?
- Eu gosto, você fica mais bonita. E cadê sua roupa? Seu vestido?
- Está lavando.
- Ah, é que estava chovendo e não deu tempo de secar, é isso?
- Isso mesmo!
- Tchau, Emília! Eu já volto, vou fazer uma pipa...

Me deu um beijo e saiu sorrindo e saltitando. Foi aproveitar a festa.

Emília

Três vezes por ano um grupo cheio de gente boa organiza a Festa Parque dos Valores, no hospital Emílio Ribas. Eu procuro participar sempre. Na Páscoa, Dia das Crianças e Natal fazemos uma bagunça e nos divertimos muito. São mais ou menos 600 crianças.

A maioria de nós vai fantasiado. No meu caso, a contadora de histórias dá lugar a uma das minhas personagens preferidas: Emília. E mesmo eu tendo contado histórias neste hospital por muito tempo, até as crianças que conhecem a "Lili", neste dia, somente se dirigem a mim como Emília. E eu realmente sou a Emília.

Numa das festas estava lá, eu, com meu vestidinho amarelo e vermelho e meus cabelos pra lá de coloridos, quando uma garotinha linda chegou perto de mim e me desafiou:

- Você não é a Emília! Ela está lá na minha casa, na minha televisão. Você é gente!
- Como assim? Claro que eu sou a Emília! Olha só meu braço de boneca.

Ela apertou meu braço sem me dar muita bola, como se pensasse "bobinha". Assim que virei de costas, ela segurou no meu "cabelo colorido" e deu um puxão, bem forte, mas não o suficiente para arrancar os 300 grampos que eu havia colocado para segurar meus novos cachos. Meu cabelo nem se mexeu. Ela arregalou os olhos e disse pra amiguinha ao lado, espantanda:

- Eu acho que é de verdade!

Até hoje ela vem falar comigo, sempre sorrindo.

- Oi Emília!

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Contar, sinônimo de compartilhar


“(...) Sérgio olhou bem fundo nos olhos do monstro e disse: ‘Se você ficar me olhando assim eu vou chamar um monstro muito mais feio pra te assustar!’ E então apareceu um monstro com um olho só, duas bocas, três chifres e quatro trombas (...)” *.
E o quarto do hospital caiu na gargalhada.

Ah, quem dera pudéssemos chamar monstros mais feios – e porque não, engraçados – para o lugar daqueles que assombram o nosso imaginário ou dos que fazem parte da realidade do dia-a-dia. O máximo que eu, como uma simples mortal, posso fazer é fazer rir. Ou espantar. Ou alegrar. E assim é a minha rotina como contadora de histórias voluntária no Instituto de Infectologia Emílio Ribas.

Todas as segundas-feiras, bem cedinho, pego minha sacola mágica de livros (sai cada coisa de lá), meu avental de superpoderes do mundo do faz-de-conta e minhas idéias, construídas em uma infância regrada a livros, causos (nada como ter oito tios vindos de uma família nordestina) e muita brincadeira. Tudo isso somado a uma vida adulta que nunca se esquece – por mais difícil que seja, de que toda a essência da vida está na pureza da infância, na crença do lúdico, das fadas, das bruxas e até mesmo dos monstros.

Sempre que me perguntam como é contar histórias, digo que é fantástico, maravilhoso. E então vêm as perguntas seguintes: “Mas no hospital? E para crianças? Não é triste demais?”. O que eu respondo? Ué, é igual! Criança é criança em qualquer lugar. Logo, quando chego nas manhãs de segunda-feira para contar histórias no Emílio Ribas, me comporto como se eu estivesse indo contar histórias na creche perto de casa. São apenas crianças! Doentes, sim, mas crianças. E como qualquer uma delas, o que mais querem é brincar, conversar, contar e ouvir histórias.

Ah, como elas amam ouvir histórias! Olha, nem a TV ganha de nós, contadores. E nesse mundo da imagem é um concorrente difícil, convenhamos. Basta verem nosso avental colorido para falarem: “Lá vem os tios da história, ehhhhh”. Ok, ok, como toda unanimidade é burra, nem sempre eles nos querem por perto, mas só pelo fato deles poderem dizer “não”, eu já fico feliz, afinal eles não podem dizer não para a injeção que dói ou para o remédio amargo. Mas para nós sim. E geralmente o não de hoje significa um sorriso aberto e uma ótima história de amanhã.

Contar histórias, seja onde for, significa compartilhar com o outro um pouco de nós, e vice-versa. Significa laço, relação, coisa tão em falta nos tempos atuais. Significa o contato e a experimentação de emoções. Significa doação. Significa crer.

Contar histórias significa acreditar que o bem pode vencer o mal, e que sim, ainda poderemos ter um final feliz. Ou pelo menos, uma boa história para contar.

E seguimos compartilhando...

Lili

* Baseado no livro O Domador de Monstros, de Ana Maria Machado.

Escrevi esse texto exatamente às 17h59, do dia 8 de fevereiro de 2007. Foi o primeiro ensaio de ter um blog, de começar a compartilhar as minhas histórias e as muitas histórias que venho aprendendo (e vivendo) ao longo de quase 5 anos como contadora de histórias. Cá estou, e para começar, o trecho de uma música que reflete bem esse momento:


Wave
Tom Jobim

Vou te contar
Os olhos já não podem ver
Coisas que só o coração pode entender
Fundamental é mesmo o amor
É impossível ser feliz sozinho...

O resto é mar
É tudo que não sei contar
São coisas lindas que eu tenho pra te dar
Vem de mansinho à brisa e me diz
É impossível ser feliz sozinho...